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Técnicas de Descida Controlada em Resgate

Constitui-se como uma das práticas mais críticas, exigentes e determinantes no espectro das ações emergenciais, onde a precisão não é ape...

Constitui-se como uma das práticas mais críticas, exigentes e determinantes no espectro das ações emergenciais, onde a precisão não é apenas desejável, mas vital. Sua aplicação extrapola o caráter técnico e alcança a dimensão estratégica, pois envolve cenários de altíssima complexidade operacional, como penhascos íngremes, estruturas industriais elevadas, poços, silos, arranha-céus urbanos, pontes de grande porte, áreas de mineração e espaços confinados, todos caracterizados por variáveis instáveis, margens de erro praticamente inexistentes e consequências potencialmente fatais em caso de falha.

Mais do que uma técnica isolada, a descida controlada configura-se como um sistema multidimensional de ciência aplicada, integrando fundamentos da física clássica (forças, atrito, energia potencial e cinética), da engenharia de materiais (resistência, fadiga e redundância estrutural), da biomecânica (dinâmica corporal e ergonomia em movimento), da psicologia operacional (percepção de risco, foco e tomada de decisão sob pressão) e da gestão de riscos (análise de cenários, protocolos de redundância e mitigação de falhas). Trata-se, portanto, de um campo onde a tecnologia e o fator humano se entrelaçam de maneira indissociável.

Seu domínio não depende apenas da proficiência individual do socorrista, mas da interação perfeita entre equipamento, operador e ambiente um tripé no qual qualquer desequilíbrio compromete a operação. Os dispositivos de descida, as cordas e as ancoragens funcionam como prolongamentos da ação humana, e sua eficiência está diretamente relacionada à capacidade do profissional em compreender não apenas o funcionamento técnico, mas também as limitações físicas e normativas que regulam seu uso.

Este tema, portanto, não se restringe a um manual de procedimentos: ele se propõe a oferecer uma análise ampla, densa e profundamente interdisciplinar. Aborda os elementos técnicos, normativos, operacionais e humanos, enfatizando a importância da constante atualização frente às normas internacionais de segurança, aos avanços em ergonomia aplicada ao resgate e aos estudos psicofisiológicos sobre desempenho sob condições extremas.

Fundamentos Técnicos e Científicos da Descida Controlada

A descida controlada deve ser entendida como um problema físico-engenheirístico acoplado a um problema ergonômico e cognitivo: energia, forças e matérias compõem o subsistema mecânico; comportamento viscoelástico, fadiga e degradação compõem o subsistema material; e controle motor, decisão e regulação emocional compõem o subsistema humano.

Princípios Mecânicos e Físicos Aplicados

A descida controlada é regida pelo equilíbrio entre energia potencial gravitacional (E_p = m · g · h) e sua transformação em energia térmica, dissipada pelo atrito controlado em dispositivos de fricção. Este processo deve considerar a dinâmica das cargas envolvidas, a resistência dos materiais e a previsibilidade do comportamento do sistema frente a variáveis ambientais.

Entre os princípios fundamentais destacam-se:
a) Força de Atrito e Ângulo de Contato - A eficiência do dispositivo de descida está diretamente relacionada ao coeficiente de fricção entre corda e material do equipamento, além da geometria de passagem da corda.
b) Fricção Estática e Dinâmica - A transição entre ambas precisa ser controlada para evitar acelerações repentinas ou bloqueios inesperados.
c) Carga Dinâmica e Fator de Queda - Mesmo em descidas planejadas, a possibilidade de quedas curtas gera picos de força que exigem fatores de segurança ≥ 10, assegurando que a ancoragem e os dispositivos suportem múltiplos do peso total do sistema.
d) Vetorização de Forças e Redundância Estrutural - A correta distribuição das tensões garante a integridade da ancoragem, reduzindo riscos de torção, desalinhamento ou sobrecarga localizada.

Biomecânica e Psicofisiologia do Operador

O desempenho humano no resgate vertical é condicionado tanto por fatores físicos quanto por variáveis psicocognitivas. O operador deve ser capaz de integrar:
a) Postura corporal ergonômica, evitando compressões lombares, fadiga muscular e lesões por esforços repetitivos.
b) Controle respiratório, fundamental para manter o equilíbrio fisiológico e reduzir a ansiedade em situações de pressão.
c) Gestão do estresse e autocontrole emocional, evitando falhas por pânico, sobrecarga cognitiva ou perda de coordenação fina.
d) Capacidade de decisão sob risco, exigindo treino mental e simulações realistas que preparem o socorrista para situações de incerteza.

Equipamentos Técnicos e Suas Características

Quando se fala em descida controlada no contexto de operações de salvamento, não estamos tratando apenas de acessórios ou ferramentas isoladas, mas de um sistema integrado de proteção, onde cada equipamento exerce um papel específico e, ao mesmo tempo, complementa os demais. Esse conjunto precisa obedecer a normas técnicas internacionais (como EN, UIAA, NFPA, CE) e nacionais (NR 35, ABNT), pois falhas nesse nível não se traduzem em pequenos erros: elas representam riscos imediatos à vida.

A lógica dos equipamentos técnicos baseia-se em três princípios fundamentais: suporte, controle e redundância. O suporte é representado pelas cordas e ancoragens, que devem resistir à carga estática (peso do socorrista e da vítima) e dinâmica (eventuais choques ou quedas parciais). O controle é realizado pelos dispositivos de descida, que convertem energia potencial gravitacional em calor por atrito, mantendo a velocidade dentro de parâmetros seguros. Já a redundância aparece em sistemas de backup, absorvendo eventuais falhas humanas ou materiais, assegurando que um deslize não evolua para acidente fatal.

Além disso, as características dos materiais como resistência à abrasão, comportamento diante de agentes químicos, elasticidade, durabilidade sob cargas repetidas e capacidade de dissipar energia definem se o equipamento é adequado ou não para determinada operação. Um mesmo conjunto de equipamentos pode ter uso excelente em um resgate urbano e, ao mesmo tempo, tornar-se inviável em ambientes industriais com risco químico ou em áreas de mata com presença de bordas cortantes.

Por isso, o conhecimento aprofundado das características dos equipamentos não é mero detalhe técnico, mas um pressuposto básico da tomada de decisão operacional. O socorrista que compreende as limitações e potencialidades de cada item consegue montar sistemas mais eficientes, adaptados à realidade do terreno e da vítima.

Cordas Técnicas
As cordas semi-estáticas (EN 1891 – Tipo A) constituem a espinha dorsal do sistema. Sua escolha deve considerar não apenas resistência mecânica (> 22 kN), mas também resistência química, tolerância térmica e compatibilidade com dispositivos de descida.

Dispositivos de Descida
Cada equipamento traz vantagens e limitações:
- Petzl ID: Com sistema autoblocante, adequado para resgate individual ou duplo.
- RIG: Versátil, permite maior fluidez, mas exige operador experiente.
- STOP: Bloqueio automático em descidas aceleradas, ideal para operações de longa duração.
- Descensor em Oito: Clássico, porém limitado em termos de segurança, demandando treinamento avançado.

Sistemas de Backup
A redundância é princípio inegociável em resgate técnico:
- Prusik: Simples, leve e eficiente, porém dependente da habilidade do operador.
- Shunt: Mais prático, mas exige cuidado na compatibilidade da corda.
- ASAP: Tecnologia avançada, ideal para trabalhos prolongados com múltiplos operadores.

Ancoragens
São o ponto de sustentação do sistema. Podem ser naturais (árvores, rochas) ou artificiais (chapas de ancoragem, parafusos químicos, tripés). Devem suportar cargas mínimas de 15 kN e ser preferencialmente redundantes (dupla ou tripla ancoragem equalizada). A correta distribuição das forças é essencial para evitar sobrecarga em apenas um ponto.

Procedimentos Operacionais

O sucesso da descida controlada depende da gestão sistêmica da operação:
- Planejamento Estratégico: Análise do ambiente, definição de pontos de ancoragem e mapeamento de riscos.
- Montagem Técnica: Redundância obrigatória, inspeção minuciosa e teste estático antes da execução.
- Execução Tática: Adoção de técnicas específicas (autoblocante, guiada, pick-off) conforme o perfil da operação.
- Controle da Velocidade: Fator crítico para evitar movimentos pendulares, sobrecargas ou choque térmico no dispositivo.

Gestão de Riscos e Mitigação

A segurança não se resume ao equipamento, mas à cultura de prevenção:
- Riscos Materiais: Desgaste de corda, falha de dispositivos, ancoragens comprometidas.
- Riscos Humanos: Falhas cognitivas, fadiga, imperícia.
- Riscos Ambientais: Intempéries, visibilidade reduzida, presença de contaminantes.
- A Mitigação exige: Checklists operacionais, treinamentos constantes, comunicação padronizada (rádio e sinais manuais), monitoramento contínuo e protocolos de contingência.

Estudos de Caso e Lições Aprendidas

Caso 1 - Penhasco com Vítima Inconsciente: Uso de pick-off, redundância tripla, apoio simultâneo de equipes de topo e base.

Caso 2 - Estrutura Industrial: Descida guiada com polias e comunicação por rádio, destacando a importância da sincronização em ambientes confinados.

Normas e Regulamentações

A padronização garante uniformidade e segurança. Destacam-se:
- NR 35 (Brasil): Trabalho em altura.
- EN 12841 (Europa): Dispositivos para corda.
- NFPA 1983 (EUA): Padrões para equipamentos de resgate.
- OSHA 1910.66 (EUA): Trabalho em altura e resgate.
- UIAA (Internacional): Certificação de cordas e dispositivos.

Aspectos Psicossociais e Humanitários

O operador de resgate não atua apenas sobre a vítima física, mas sobre sua condição emocional e psicológica. A comunicação empática, o acolhimento verbal e a liderança em momentos de desespero são tão determinantes quanto o domínio técnico. A confiança transmitida pela equipe pode salvar tanto quanto o dispositivo de descida.

Síntese Final e Perspectivas Operacionais

A descida controlada em operações de resgate é um processo multidimensional, que transcende a técnica pura e alcança o campo da ciência aplicada, da engenharia de segurança, da psicologia operacional e da gestão de riscos. Sua eficácia está condicionada ao trinômio: treinamento constante, equipamentos certificados e disciplina operacional.

Somente a atualização contínua, a prática em cenários simulados e a consolidação de uma cultura de segurança poderão garantir que bombeiros, equipes de salvamento e profissionais especializados estejam preparados para enfrentar os desafios extremos impostos pelas emergências verticais do mundo real.


FONTE DE REFERÊNCIA
CESBOM - CENTRO DE ESTUDOS PARA BOMBEIROS