Representa uma das situações mais críticas em emergências nucleares ou radiológicas, pois envolve a presença de partículas ou substância...

Representa uma das situações mais críticas em emergências nucleares ou radiológicas, pois envolve a presença de partículas ou substâncias contendo radionuclídeos em locais onde não deveriam estar: sobre a pele, roupas, equipamentos ou, de forma ainda mais grave, no interior do corpo humano. Esse processo pode ocorrer por diferentes vias de entrada, como a inalação de poeira radioativa, a ingestão de alimentos ou água contaminados, ou até mesmo pela absorção cutânea em situações específicas de contato direto com radionuclídeos.
A principal diferença entre a contaminação e a exposição externa deve ser claramente compreendida. Na exposição externa, o indivíduo está sujeito à radiação emitida por uma fonte próxima, mas que não se encontra aderida ou internalizada. Assim que a pessoa se afasta da fonte, o processo de irradiação é interrompido. Já na contaminação, a situação é mais grave: a fonte radioativa pode permanecer aderida à superfície do corpo, às vestimentas ou, em casos de absorção interna, se fixar em órgãos e tecidos, resultando em uma irradiação contínua e prolongada. Esse fator aumenta de forma significativa a dose absorvida, ampliando os riscos biológicos imediatos e tardios.
Outro aspecto crítico é que a contaminação radioativa não afeta apenas o indivíduo contaminado, mas também pode representar risco coletivo. Partículas podem ser transferidas de pessoa para pessoa, para superfícies ou para o ambiente, criando uma cadeia de exposição secundária. Por isso, medidas rápidas de isolamento, contenção e descontaminação são indispensáveis.
Pontos Principais
a) Interação da Radiação com Tecidos Biológicos
A radiação ionizante tem a capacidade de interagir diretamente com as moléculas que compõem o organismo. Esse processo gera ionizações e radicais livres altamente reativos, que podem atacar estruturas vitais da célula, em especial o DNA. A quebra das fitas de DNA pode resultar em mutações permanentes, morte celular ou, em casos de reparo inadequado, no surgimento de neoplasias.
b) Efeitos Determinísticos e Estocásticos
- Determinísticos: ocorrem quando a dose absorvida ultrapassa um limiar mínimo, resultando em efeitos clínicos previsíveis, como eritemas cutâneos, queimaduras radiológicas e a Síndrome Aguda da Radiação (SAR). Esses efeitos estão diretamente relacionados à dose e à taxa de exposição.
- Estocásticos: não possuem um limiar definido e podem ocorrer mesmo em doses baixas. São efeitos probabilísticos, como câncer e mutações hereditárias, que podem se manifestar meses, anos ou até décadas após o evento inicial.
c) Gravidade da Contaminação
O impacto da contaminação depende de múltiplos fatores combinados:
- Tipo de Radionuclídeo: diferentes elementos apresentam diferentes afinidades biológicas. Por exemplo, o iodo-131 concentra-se na tireoide, enquanto o estrôncio-90 se fixa em ossos.
- Via de entrada: a gravidade varia se o radionuclídeo for inalado, ingerido ou absorvido pela pele.
- Tempo de permanência no organismo: quanto mais prolongada a exposição interna, maior a dose acumulada e os danos potenciais.
Itens Relevantes
a) Diferenciar Contaminação Superficial de Incorporação Interna
É fundamental distinguir se o material radioativo está apenas sobre a superfície da pele ou das roupas (contaminação externa) ou se já foi absorvido pelo organismo (incorporação interna). Essa diferenciação define tanto as medidas de descontaminação quanto as terapias farmacológicas necessárias.
b) Reconhecer Radionuclídeos Críticos
Alguns radionuclídeos são considerados de maior importância devido à sua ampla utilização em medicina, indústria ou armamentos, além da afinidade com tecidos humanos:
- Iodo 131: captação pela glândula tireoide;
- Césio 137: comportamento semelhante ao potássio, distribuindo-se nos músculos;
- Estrôncio 90: semelhança química com o cálcio, deposita-se em ossos e medula óssea;
- Plutônio 239: se acumula em ossos e fígado, altamente radiotóxico mesmo em pequenas quantidades.
c) Avaliar Riscos de Irradiação Prolongada por Partículas Aderidas à Pele
Pequenas partículas radioativas que permanecem aderidas à pele podem emitir radiação beta ou gama continuamente, provocando desde queimaduras superficiais até doses significativas absorvidas em órgãos próximos. A remoção precoce dessas partículas é essencial para reduzir o risco de complicações.
A contaminação radioativa não é apenas um contato superficial com radiação, mas um processo que pode resultar em irradiação prolongada, disseminação secundária e danos biológicos severos, exigindo resposta imediata, conhecimento técnico profundo e protocolos rigorosos de descontaminação e tratamento.
Controle da Cena e Segurança Operacional
Antes de iniciar qualquer intervenção, a prioridade é proteger a equipe de resposta e impedir que a contaminação se espalhe. Isso envolve o isolamento do local e o uso de barreiras adequadas. O ambiente de um acidente radioativo é dinâmico e exige a rápida criação de zonas de controle (quente, morna e fria). O socorrista deve atuar com EPI especializado e minimizar o tempo de permanência em áreas críticas, aplicando o princípio ALARA (As Low As Reasonably Achievable).
Procedimentos práticos:
- Estabelecer zonas de segurança;
- Zona Quente: local de contaminação ativa;
- Zona Morna: área de triagem e descontaminação;
- Zona Fria: livre de radiação, destinada a logística e suporte;
- Utilizar EPI completo: respiradores com filtros P3 ou máscaras de carvão ativado, macacão impermeável, luvas duplas, óculos de proteção;
- Reduzir o tempo de exposição e aumentar a distância da fonte sempre que possível.
Triagem, Avaliação e Monitoramento Radiológico
A triagem radiológica busca identificar rapidamente os indivíduos expostos, quantificar os níveis de contaminação e definir a prioridade de atendimento. O monitoramento é feito com detectores portáteis (Geiger-Müller, cintiladores, espectrômetros gama), além da coleta de dados clínicos imediatos. Os sinais de síndrome aguda da radiação (náuseas, vômitos, linfopenia precoce) podem orientar sobre doses altas.
Procedimentos práticos:
- Avaliar condições vitais e priorizar lesões traumáticas graves antes da descontaminação;
- Medir níveis de contaminação na pele, roupas e superfícies;
- Registrar dose absorvida estimada via dosímetros pessoais;
- Identificar sinais de síndrome hematopoiética precoce (queda abrupta de linfócitos).
Descontaminação Externa
A descontaminação externa é a primeira medida para reduzir o risco de absorção interna e de exposição prolongada. Grande parte da radiação pode ser eliminada apenas com a remoção de roupas e lavagem adequada. A descontaminação deve ser feita de forma sistemática, evitando abrasão excessiva da pele, que facilitaria a penetração de radionuclídeos.
Procedimentos práticos:
- Retirar roupas contaminadas → redução de até 90% da contaminação externa;
- Lavar pele e cabelos com água corrente e sabão neutro;
- Proteger feridas abertas com curativos impermeáveis antes da lavagem;
- Recolher roupas e materiais contaminados em sacos blindados ou contentores apropriados.
Descontaminação Interna e Terapias Específicas
Quando há inalação, ingestão ou absorção percutânea, medidas farmacológicas específicas devem ser aplicadas para bloquear a absorção ou acelerar a eliminação do radionuclídeo. Cada radionuclídeo tem afinidade por um tecido-alvo. A administração precoce de fármacos quelantes ou bloqueadores pode salvar vidas e reduzir efeitos tardios.
Procedimentos práticos:
- Iodo 131: administração de iodeto de potássio (KI) para saturar a tireoide;
- Césio 137: uso de Prussian Blue (azul da Prússia) para reduzir absorção intestinal;
- Estrôncio 90: suplementação de cálcio pode reduzir absorção óssea;
- Plutônio e Transurânicos: aplicar DTPA (dietilenotriaminopentaacético) como quelante;
- Ingestão recente: lavagem gástrica, carvão ativado, ou catárticos específicos.
Tratamento Clínico e Suporte Hospitalar
O atendimento clínico deve focar não apenas na descontaminação, mas também nos efeitos sistêmicos da radiação. A síndrome aguda da radiação pode se manifestar em diferentes formas (hematopoiética, gastrointestinal, cardiovascular, neurológica). O tratamento inclui suporte sintomático, prevenção de infecções e, em casos graves, transplante de medula óssea.
Procedimentos práticos:
- Monitorar hemograma seriado (linfócitos e plaquetas como marcadores precoces);
- Administrar fatores estimuladores de colônia (G-CSF) em caso de mielossupressão;
- Tratar queimaduras radiológicas como lesões químicas, com desbridamento tardio;
- Isolamento reverso em pacientes imunossuprimidos;
- Hidratação venosa e suporte eletrolítico em síndrome gastrointestinal.
Comunicação, Notificação e Gestão Pós-Incidente
Um incidente radiológico não se encerra no atendimento inicial: ele exige gestão a longo prazo. Os efeitos tardios da radiação podem surgir anos depois, incluindo carcinogênese, distúrbios endócrinos e fibrose. Além disso, a rastreabilidade epidemiológica é crucial para proteção coletiva.
Procedimentos práticos:
- Notificar imediatamente as autoridades competentes em radioproteção;
- Registrar todos os atendimentos com identificação de radionuclídeos, níveis de dose e medidas aplicadas;
- Implementar monitoramento longitudinal dos contaminados (exames hematológicos, tireoidianos e de imagem);
- Acompanhar impacto psicossocial (transtornos de ansiedade, estresse pós-traumático).
FONTE DE REFERÊNCIA
CESBOM - CENTRO DE ESTUDOS PARA BOMBEIROS








