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Técnicas de Busca Primária e Secundária em Escombros

Quando uma edificação colapsa, seja em decorrência de desastres naturais, como terremotos e deslizamentos, ou provocados pela ação human...

Quando uma edificação colapsa, seja em decorrência de desastres naturais, como terremotos e deslizamentos, ou provocados pela ação humana, como explosões, incêndios ou ataques intencionais, cria-se um cenário de caos que desafia não apenas a estrutura de resposta das equipes de emergência, mas também a própria ciência do resgate urbano. O ambiente de escombros é marcado por um conjunto de variáveis críticas: instabilidade estrutural, riscos secundários (como incêndios, vazamentos de gás ou produtos químicos), acesso restrito e, sobretudo, a incerteza sobre o número, a localização e o estado das vítimas.

Nesses contextos, a primeira prioridade das equipes de busca e salvamento urbano (Urban Search and Rescue - USAR) consiste em estabelecer um método seguro, ordenado e sistemático de varredura, capaz de equilibrar a urgência em localizar pessoas com vida e a necessidade de aprofundar a investigação no terreno para garantir que nenhuma vítima seja deixada para trás. Esse processo é conduzido por meio de duas modalidades complementares: a busca primária e a busca secundária.

A busca primária, caracterizada por sua agilidade e foco em áreas de maior probabilidade de sobrevivência, tem como objetivo localizar rapidamente vítimas acessíveis, empregando métodos diretos e de baixo tempo de execução. Já a busca secundária, mais detalhada e demorada, exige recursos tecnológicos avançados, escavações controladas e análise criteriosa das estruturas colapsadas, sendo responsável por garantir a exaustividade e a cobertura integral da operação.

Compreender essas duas modalidades, seus princípios, técnicas e limitações, é essencial não apenas para profissionais de bombeiros e defesa civil, mas também para engenheiros, gestores de desastres e planejadores de políticas públicas. Afinal, a diferença entre uma busca bem planejada e uma operação improvisada pode ser medida em vidas salvas ou perdidas.

O Contexto Operacional das Buscas

A complexidade do ambiente de colapso estrutural exige que a busca seja conduzida segundo princípios técnicos e protocolos internacionalmente reconhecidos, como os da INSARAG (International Search and Rescue Advisory Group).

Nesse tipo de cenário, as variáveis operacionais incluem:
a) Tempo Crítico: estudos demonstram que a chance de sobrevivência de vítimas soterradas diminui drasticamente após 72 horas, sendo as primeiras 24 horas o período de “sobrevivência de ouro”.
b) Riscos Dinâmicos: instabilidade da estrutura, possibilidade de colapsos secundários, incêndios residuais, presença de materiais tóxicos e riscos biológicos.
c) Ambiente Caótico: acúmulo de entulho, ausência de visibilidade, ruídos constantes e interferências dificultam a percepção sensorial.
d) Limitação de Recursos: número reduzido de especialistas, tempo escasso e necessidade de priorização de áreas.

É nesse cenário que a divisão entre busca primária e secundária torna-se essencial: a primeira confere agilidade e amplitude inicial, enquanto a segunda assegura rigor metodológico e completude.

Busca Primária em Escombros

Corresponde ao primeiro nível formal de varredura do ambiente colapsado, sendo considerada a etapa inicial do processo de localização de vítimas em operações de salvamento em escombros. Ela é realizada imediatamente após a estabilização mínima da cena, ou seja, quando os riscos mais evidentes e críticos já foram mitigados em um nível que permita a entrada controlada das equipes. Esses riscos incluem desde incêndios residuais e vazamentos de gás até a presença de cabos elétricos energizados, além da possibilidade de novos desmoronamentos iminentes. Somente depois de uma avaliação prévia de segurança, ainda que preliminar, é autorizado o início da varredura primária.

Sua principal característica é a rapidez de execução, sendo um processo que privilegia a velocidade em detrimento da profundidade investigativa. Isso significa que a busca primária não se propõe a esgotar todas as possibilidades de localização de vítimas, mas sim a realizar uma inspeção inicial suficientemente ampla para identificar sobreviventes em áreas acessíveis ou de maior probabilidade de ocupação humana. A lógica é clara: em situações de desastre, o fator tempo é determinante, e cada minuto economizado pode representar a diferença entre encontrar uma vítima viva ou já em óbito.

Durante essa fase, os socorristas empregam técnicas de observação direta, escuta atenta e até mesmo percepção de odores característicos que possam indicar a presença de pessoas soterradas. O uso de cães de busca é comum nesse estágio, já que a sensibilidade olfativa dos animais permite a detecção de vítimas vivas em meio a grandes volumes de entulho. Paralelamente, câmeras de inspeção em hastes flexíveis e microfones de alta sensibilidade também podem ser aplicados para explorar cavidades ou voids habitáveis, aqueles espaços vazios formados entre vigas, paredes ou lajes colapsadas que frequentemente funcionam como bolsões de sobrevivência.

Outro aspecto relevante é a sistematização do ambiente. Embora a busca primária tenha um caráter rápido, ela deve ser organizada e documentada de forma precisa. Equipes treinadas realizam a marcação de áreas já inspecionadas, utilizando simbologias padronizadas como as adotadas pela FEMA ou pela INSARAG, que indicam se foram encontradas vítimas, quais riscos foram detectados e se a área foi concluída ou necessita de busca secundária. Essa padronização é essencial para evitar retrabalhos, sobreposição de esforços ou, pior ainda, a negligência de pontos que poderiam abrigar sobreviventes.

É importante destacar que a busca primária exige não apenas agilidade física, mas também disciplina e capacidade de julgamento rápido. Os socorristas precisam decidir em frações de segundo quais rotas seguir, que sinais priorizar e até quando insistir em determinado ponto antes de prosseguir. Essa tomada de decisão ocorre sob elevada pressão, em cenários caóticos, com ruídos constantes, poeira, risco estrutural e a presença angustiante de familiares aguardando notícias.

Por ser rápida e superficial, a busca primária possui inevitáveis limitações. É altamente eficaz em identificar vítimas em áreas mais óbvias ou parcialmente acessíveis, mas não consegue abranger aqueles soterrados em profundidade ou em locais de difícil penetração. Dessa forma, ela deve ser entendida como uma primeira camada de investigação, imprescindível para salvar o maior número de vidas em curto prazo, mas sempre complementada pela busca secundária, que aprofunda e detalha a inspeção de toda a estrutura colapsada.

Objetivos da busca primária:
1 - Localizar vítimas com maior chance de vida em áreas acessíveis.
2 - Identificar rapidamente os chamados "voids habitáveis", espaços vazios formados entre os escombros.
3 - Sinalizar e mapear zonas de interesse para aprofundamento posterior.

Procedimentos típicos:
- Varredura visual e auditiva rápida, buscando indícios de vida (gritos, movimentos, batidas, ruídos).
- Emprego de cães de busca, que são insubstituíveis pela sua sensibilidade olfativa.
- Utilização de câmeras de inspeção em hastes ou cabos para penetração em cavidades.
- Marcação simbólica padronizada das áreas verificadas, seguindo normas como a marca FEMA/INSARAG (indicações de vítimas encontradas, riscos identificados e status da busca).

Limitações: por ser superficial, a busca primária não garante a identificação de todas as vítimas, sobretudo aquelas soterradas em profundidade ou em locais de difícil acesso.

Busca Secundária em Escombros

Configura-se como uma fase subsequente às operações iniciais de varredura, assumindo um caráter de exaustividade, rigor metodológico e minúcia investigativa. Diferentemente da busca primária, cujo objetivo é a rápida identificação de vítimas em áreas acessíveis e de maior probabilidade de sobrevivência, a busca secundária emerge como um processo mais aprofundado, sistematizado e detalhado, que demanda maior tempo, recursos especializados e o emprego de tecnologias avançadas de detecção.

Esse tipo de busca não deve ser iniciado de maneira precipitada, mas apenas após a conclusão integral da busca primária e, em diversos cenários, também após a realização de procedimentos de estabilização robusta da estrutura colapsada. Essa estabilização é imprescindível porque, ao contrário da busca inicial que é mais superficial e não exige grande manipulação dos escombros, a busca secundária frequentemente envolve intervenções físicas mais invasivas, como a remoção gradual de entulho, a abertura de passagens e a utilização de técnicas de escoramento para garantir que a progressão das equipes não desencadeie colapsos secundários.

Além de representar um avanço investigativo, a busca secundária se caracteriza pela profundidade de análise: todas as áreas já inspecionadas são revisadas com rigor, e regiões anteriormente negligenciadas, de difícil acesso ou consideradas de menor prioridade, passam a ser alvo de atenção detalhada. É nessa fase que se empregam com maior intensidade recursos tecnológicos como geofones, sensores sísmicos, câmeras de fibra óptica, câmeras térmicas, drones e robôs de exploração subterrânea, permitindo detectar indícios de vida que não seriam perceptíveis a olho nu ou pelo simples uso dos sentidos humanos.

Outro aspecto essencial é a interdisciplinaridade da operação. Enquanto na busca primária predominam as ações rápidas de bombeiros e cães de resgate, a fase secundária frequentemente requer a participação ativa de engenheiros estruturais, técnicos de estabilização, médicos de emergência e especialistas em salvamento técnico. Isso porque o ambiente em que ela ocorre é mais instável, com riscos maiores de desprendimento de blocos de concreto, desabamento de vigas e comprometimento da estrutura residual. Assim, cada decisão de progressão, cada remoção de material e cada abertura de acesso precisa ser cuidadosamente planejada e executada, conciliando a urgência do resgate com a preservação da segurança operacional.

Essa busca desempenha um papel crucial no âmbito psicológico e humanitário. Ao passo que a busca primária transmite à população a sensação imediata de esperança, por ser rápida e visível, a busca secundária representa um compromisso ético de não abandonar nenhuma vítima sob os destroços. É nesse estágio que, mesmo após dias do colapso, ainda é possível encontrar sobreviventes em voids habitáveis, mas também é nele que frequentemente se localizam corpos, permitindo às famílias o fechamento de um ciclo de dor e incerteza.

Portanto,  não deve ser vista apenas como uma etapa técnica adicional, mas como uma fase estratégica e indispensável para a completude da operação de resgate. Sua execução, embora lenta e trabalhosa, garante que o ambiente de desastre seja investigado de forma integral, meticulosa e responsável, reduzindo ao máximo a possibilidade de que vidas humanas sejam ignoradas em meio ao caos.

Objetivos da busca secundária:
1- Garantir que nenhuma vítima seja deixada para trás.
2 - Revisitar e aprofundar áreas já inspecionadas, com maior rigor técnico.
3 - Empregar tecnologia avançada para detectar sinais de vida em profundidade.
4 - Realizar escavação e desobstrução controlada para acesso a espaços inacessíveis na busca inicial.

Ferramentas utilizadas:
- Geofones e sensores sísmicos, que captam vibrações sutis.
- Câmeras térmicas, capazes de detectar calor corporal em meio a destroços.
- Robôs de busca e drones, que exploram locais inseguros para humanos.
- Escoramentos e técnicas de estabilização, permitindo o avanço seguro da equipe em zonas instáveis.

Características:
- É lenta, pois cada metro cúbico de escombros pode demandar inspeção cuidadosa.
- Requer integração multidisciplinar (engenheiros, técnicos de estruturas, especialistas em desabamento).
- Costuma envolver o uso de protocolos de triagem de vítimas e planos de resgate técnico de alta complexidade.

A Complementaridade das Duas Técnicas

A busca primária e secundária não são excludentes, mas sim complementares. Enquanto a primeira atende à demanda imediata de salvar o maior número possível de vidas no menor tempo, a segunda garante a cobertura integral e o fechamento do ciclo operacional.

a) Busca primária sem secundária pode deixar vítimas para trás.
b) Busca secundária sem primária pode comprometer o tempo crítico de resgate.

Assim, ambas devem ser vistas como duas etapas interdependentes de uma mesma estratégia de resposta.

Implicações Éticas e Humanitárias

Além do aspecto técnico, as operações de busca primária e secundária envolvem profundas questões éticas e humanitárias. Decisões precisam ser tomadas em condições de incerteza, muitas vezes envolvendo dilemas como priorizar áreas com maior número estimado de vítimas em detrimento de zonas isoladas, ou optar por escavações demoradas que salvam uma vida, mas retardam o acesso a outros pontos.

A transparência na comunicação com a população, o apoio psicológico às famílias e o cuidado com os próprios socorristas constituem elementos indispensáveis para que a operação não seja apenas eficiente, mas também humanizada.

Panorama Final das Técnicas

As técnicas de busca primária e secundária em escombros representam a espinha dorsal das operações de resgate em ambientes de colapso estrutural. A primeira privilegia a rapidez, buscando maximizar a taxa de sobrevivência nas horas iniciais. A segunda prioriza a profundidade e a exaustividade, assegurando que nenhuma vítima seja deixada para trás.

Quando conduzidas de maneira integrada, com apoio tecnológico, disciplina metodológica e sensibilidade humanitária, essas técnicas constituem um verdadeiro diferencial estratégico, transformando operações caóticas em respostas organizadas, capazes de devolver esperança em meio à tragédia.


FONTE DE REFERÊNCIA
CESBOM - CENTRO DE ESTUDOS PARA BOMBEIROS